Após a suspensão da Fundação IBGE+, motivada por críticas de servidores, a crise interna no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem novo foco.
O alvo das contestações dos funcionários agora se volta para projetos da gestão do presidente Marcio Pochmann em parceria com o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados).
Em uma nova carta, a qual a Folha teve acesso, trabalhadores do núcleo do IBGE na avenida Chile, no centro do Rio, fazem uma série de questionamentos a um ACT (acordo de cooperação técnica) firmado entre o instituto e o Serpro.
No texto, eles afirmam que a medida “levanta graves preocupações sobre a integridade, a autonomia e o sigilo dos dados estatísticos nacionais”.
“Entre os principais riscos do acordo está a possibilidade de o Serpro acessar, processar ou até integrar os microdados do IBGE com outras bases governamentais, como registros tributários e fiscais”, afirma a carta.
“Isso pode comprometer a confidencialidade de informações econômicas sigilosas, tornando-as vulneráveis a uso indevido, vazamentos ou mesmo manipulação política por futuros governos”, acrescenta.
O acordo em questão foi celebrado no final de maio de 2024, com validade de seis meses, podendo ser prorrogado mediante aditivo.
Nos bastidores do IBGE, a ampliação dos trabalhos ou a formação de outras parcerias é vista por servidores como possível. A discussão ganhou força devido ao avanço do projeto de mudança dos trabalhadores do instituto na avenida Chile para um prédio do Serpro no Horto, zona sul do Rio.
Folha Mercado
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O acordo de cooperação entre as duas instituições afirma que o objetivo geral “é a coleta de subsídios técnicos e a junção de esforços para fins de avaliação da viabilidade técnica e comercial de oportunidades de negócios”.
Para os trabalhadores do IBGE, a medida abriria margem para a exploração comercial de produtos desenvolvidos a partir dos dados estatísticos coletados pelo órgão.
“Isso não apenas fere a missão pública do instituto, mas também pode transformar informações de interesse coletivo em ferramentas de mercado, acessíveis apenas a grupos privilegiados no futuro”, afirma a nova carta.
A reportagem procurou Pochmann via assessoria de imprensa, mas não recebeu retorno. Desde o início da crise com protestos no instituto, em setembro, a gestão dele tem rebatido as críticas por meio de comunicados no site do órgão.
Em nota, o Serpro disse que atua há mais de 60 anos como “guardião das principais informações do Estado e dos dados das cidadãs e cidadãos brasileiros”.
“O acordo de cooperação firmado entre o Serpro e o IBGE possui caráter amplo, mas é o futuro plano de trabalho detalhado que norteará a execução das propostas de forma segura e controlada”, diz a instituição.
“Portanto, o Serpro reforça seu compromisso com a segurança da informação, assegurando que todos os processos sigam os mais altos padrões de proteção e conformidade, em consonância com a Lei Geral de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e validado por todas as instâncias de conformidade, governança e jurídicas necessárias, dissipando qualquer hipótese de risco à segurança nacional”, acrescenta.
Na visão da economista Wasmália Bivar, que presidiu o IBGE de 2011 a 2016, o acordo de cooperação traz declarações genéricas que abrem margem para interpretações como a dos trabalhadores. Assim, o alerta deles é válido, segundo ela.
“A questão é que já se passaram seis meses [do acordo], e o IBGE e o Serpro não apresentaram até agora o plano de trabalho”, diz.
“A preocupação é que, compartilhando informações ou mesmo as mesmas instalações, esse plano de trabalho acabe vigorando sem que os técnicos tenham controle. O convênio e o plano de trabalho delimitam qual é o papel do IBGE”, acrescenta.
A direção do instituto já afirmou que a mudança de servidores da avenida Chile para o prédio do Serpro seria temporária, buscando reduzir os custos com o aluguel do endereço no centro do Rio, que abriga as diretorias de Pesquisas, Geociências e Informática. O orçamento apertado é um dos desafios do órgão.
Os trabalhadores da instituição, por sua vez, criticam a forma como o projeto de mudança foi conduzido. Eles reclamam de falta de diálogo nas decisões do IBGE, o que já foi contestado pela presidência.
Na avaliação dos servidores, o edifício do Serpro apresenta mais dificuldades de acesso via transporte público, especialmente para quem não vive na capital fluminense, além de limitações estruturais.
Em caráter reservado, eles entendem que a mudança poderia ser feita para outros prédios de órgãos públicos na região central do Rio. Nesse sentido, lembram, por exemplo, que o ministro Carlos Lupi (Previdência Social) chegou a dizer em outubro que havia oferecido um imóvel do INSS no centro da cidade para acomodar os trabalhadores do IBGE.