O déficit comercial dos Estados Unidos com o mundo e a China vem se mantendo relativamente estável em comparação ao tamanho da economia americana nos últimos dez anos.
Em relação ao PIB dos EUA, o déficit no comércio de bens com outros países tem permanecido em torno de 4%. Considerando bens e serviços, entre 2,5% e 3,5%.
Com a China, considerada principal rival comercial dos EUA, o déficit vem diminuindo e fechou 2024 em US$ 295,4 bilhões.
Na prática, em vez dos 60% de sobretaxa prometidos durante a campanha para produtos chineses, Trump os onerou em apenas 10% —ação respondida pela China com os mesmos 10% para uma série de produtos.
Em relação ao Brasil, ameaçado por tarifas de 25% sobre aço e alumínio a partir de março, os EUA acumulam superávits gerais desde 2009.
Para especialistas, a estratégia de Trump na área comercial poderia ser resumida em “ameaçar, negociar e cantar vitória”, além de mirar alguns objetivos específicos: obter vantagens comerciais e obrigar países mais fechados a abrirem suas economias, dar uma resposta política a eleitores vítimas da desindustrialização americana e pressionar alguns países em temas específicos, como imigração e tráfico de drogas para os EUA.
O próprio secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, já disse claramente o que pensa sobre o assunto: “A arma tarifária estará sempre carregada sobre a mesa, mas raramente será descarregada.”
Bessent é considerado estudioso de relações internacionais e ortodoxo em macroeconomia, área que pode acabar desarranjada sob seu comando caso Trump leve adiante a intimidação tarifária contra o mundo.
Do ponto de vista puramente econômico não faria sentido e seria prejudicial aos EUA a elevação unilateral de tarifas, afirmam economistas. Isto levaria a um aumento de custos e da inflação interna —pois matérias-primas e produtos tarifados ficariam mais caros para os americanos— e a uma valorização do dólar, que anularia em boa medida o efeito das taxações.
A inflação obrigaria os EUA a subir os juros para domá-la, atraindo investidores para títulos americanos, fortalecendo sua moeda –o que tornaria produtos exportados pelos EUA mais caros, afetando competitividade e ganhos de empresas locais.
“Trump parece estar pilotando os EUA da mesma maneira que conduziu sua vida empresarial: tudo é negociação em troca de vantagens. Do ponto de vista econômico, a literatura é inequívoca em relação aos prejuízos que [uma guerra tarifária] pode causar”, afirma o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga.
Para o economista e colunista da Folha Samuel Pessôa, o déficit externo americano não será controlado com tarifas, e as ameaças de Trump têm componente político. “O déficit dos EUA relaciona-se ao excesso do que o país precisa absorver [em bens e serviços do resto do mundo] na comparação com o que consegue produzir. Tarifas não vão mudar essa realidade”, diz.
Pessôa afirma que, como os títulos da dívida americana são considerados o porto seguro do mundo, e os EUA, a principal praça financeira global, o país têm como financiar seus déficits a custo muito baixo –o que não faz dos rombos uma grande questão.
A desindustrialização americana também não seria um problema provocado pelo comércio desleal de outros países. “Quem acabou com os trabalhadores de escolaridade média na indústria americana não foi a China, mas os robôs. A reposta ortodoxa e estrutural seria melhorar o sistema público de educação, mas os EUA parecem ter perdido essa capacidade.”
Números do setor industrial norte-americano não agrícola compilados pelo Federal Reserve mostram que os empregos da área na força total de trabalho recuaram de cerca de 8,5% ao final do primeiro governo Trump (2017-2021) para 8,1% no ano passado, apesar do aumento do protecionismo.
José Márcio Camargo, professor aposentado da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, também vê a barganha com outros países como uma das principais motivações de Trump.
“Quando ele ameaça usar a arma das tarifas daqui a um ou dois meses, a ideia é negociar. Os EUA têm os menores níveis de tarifas de importação do mundo e a estratégia parece ser a de forçar outras economias a se abrirem. Para países emergentes menores, vai valer a pena negociar. Com a Europa, vai ser mais duro. A China é capaz de retaliar”, diz Camargo.
O economista afirma que o saldo dessas negociações pode ser benéfico para o Brasil, um dos países mais fechados do mundo às correntes de comércio. Embora o PIB brasileiro represente cerca de 2,3% da economia global, a participação do país nas transações comerciais internacionais é pouco superior a 1%.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, Trump pode até levar adiante aumentos unilaterais de tarifas contra alguns países devido a uma visão “mercantilista e imperialista”, mas isso será prejudicial aos norte-americanos.
“Seus eleitores acabarão enganados, pois isso não vai conter a inflação ou melhorar a vida dos americanos médios, que podem acabar perdendo renda e empregos. Deve haver ainda uma perda global da confiança na economia dos EUA”, afirma.
“Este parece um tipo de governo que não pensa e funciona pró-sociedade e estabilidade, mas para si mesmo. É o trumpismo, uma variação do que vemos no Brasil com o lulismo ou que vimos na Argentina com o peronismo“, diz.
Na opinião de Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, apesar de seguir usando ameaças tarifárias em troca de barganhas e para forçar outras economias a se abrirem, em alguns setores Trump pode de fato querer produzir mais localmente em nome da segurança nacional.
“Seria uma troca de eficiência por mais segurança econômica e controle sobre a produção americana. Mas tarifar não resolverá o problema do déficit comercial. O dólar é usado no mercado internacional e vai se valorizar, anulando o efeito da taxação”, afirma.