A economia mundial já estava lidando com uma variedade desconcertante de variáveis, desde conflitos geopolíticos e uma desaceleração na China até as complexidades em evolução das mudanças climáticas. Então, o presidente Donald Trump lançou um plano para desmantelar décadas de política comercial.
Ao iniciar um processo para impor as chamadas tarifas recíprocas aos parceiros comerciais dos EUA, Trump aumentou a volatilidade para as empresas internacionais. Ele ampliou o escopo de sua guerra comercial em desenvolvimento.
No conceito básico, o argumento para tarifas recíprocas é direto: quaisquer taxas que as empresas americanas enfrentem ao exportar seus produtos para outro país devem ser aplicadas às importações desse mesmo país. Trump há muito defende esse princípio, apresentando-o como uma questão simples de justiça —uma correção ao fato de que muitos parceiros comerciais dos EUA mantêm tarifas mais altas.
No entanto, na prática, calcular taxas tarifárias individuais em milhares de produtos provenientes de mais de 150 países representa um problema monumental de execução para uma vasta gama de empresas, desde fabricantes americanos dependentes de peças importadas até varejistas que compram seus produtos do exterior.
“É potencialmente uma tarefa hercúlea”, disse Ted Murphy, especialista em comércio internacional do escritório de advocacia Sidley Austin, em Washington. “Para cada produto, cada classificação tarifária, você pode ter 150 taxas diferentes. Você tem da Albânia ao Zimbábue.”
A ordem que Trump assinou na quinta-feira (13) direcionou suas agências a estudarem como proceder com as tarifas recíprocas.
Isso aumentou o risco de aumento de custos para os consumidores americanos em um momento de crescente preocupação com a inflação, desafiando as próprias promessas do presidente de reduzir os preços de alimentos e outros itens do dia a dia. E isso aumentou a possibilidade de maior atraso do Federal Reserve em reduzir os custos de empréstimos.
Também acelera o enfraquecimento do sistema comercial mundial, que há muito tempo é centrado em blocos multilaterais e adjudicado pela OMC (Organização Mundial do Comércio). Trump está buscando avançar para uma nova era em que tratados dão lugar a negociações país a país em meio a um espírito de fervor nacionalista.
A transição ameaça aumentar as tensões nas cadeias de suprimentos globais após anos de turbulência. As empresas internacionais têm lidado com uma guerra comercial em desenvolvimento entre as duas maiores economias do mundo, os Estados Unidos e a China. Elas enfrentaram impedimentos à passagem pelos canais de Suez e do Panamá, fazendo os preços de transporte dispararem.
Agora, Trump apresentou-lhes outro quebra-cabeça formidável.
Sob o sistema que prevalece há três décadas, os países membros da OMC estabelecem tarifas para cada tipo de bem, estendendo a mesma taxa básica a todos os membros. Eles também negociaram tratados —com outros países e por meio de blocos comerciais regionais— que facilitaram ainda mais as tarifas.
Trump há muito descreve os Estados Unidos como uma vítima dessa estrutura, citando déficits comerciais com China, México e Alemanha. Ao anunciar o advento das tarifas recíprocas na quinta, ele avisou que reivindica autoridade para renegociar os termos a seu gosto, sem respeito pelos acordos comerciais existentes.
Não pareceu coincidência que Trump tenha feito seu anúncio no dia em que o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Casa Branca. Os Estados Unidos têm um déficit comercial substancial com a Índia, com o valor de seus bens importados superando suas exportações no ano passado em US$ 45 bilhões.
Essas importações incluem plásticos e produtos químicos que incidem tarifas de menos de 6% quando enviados para os Estados Unidos, de acordo com dados compilados pelo Banco Mundial. Quando categorias semelhantes de bens americanos são exportadas para a Índia, enfrentam tarifas que variam de 10% a 30%.
Se o governo Trump elevasse as taxas americanas para níveis iguais, isso forçaria as fábricas americanas a pagar mais por produtos químicos e plásticos.
O mesmo padrão se mantém em uma ampla gama de produtos de consumo e industriais —calçados do Vietnã, maquinário e agricultura do Brasil, têxteis e borracha da Indonésia.
Uma importante associação comercial da indústria eletrônica, IPC, alertou na quinta-feira que o aumento do protecionismo comercial prejudicaria a economia dos EUA.
“Novas tarifas aumentarão os custos de fabricação, interromperão as cadeias de suprimentos e levarão a produção para o exterior, enfraquecendo ainda mais a base industrial eletrônica da América”, disse o presidente da associação, John W. Mitchell, em um comunicado.
Alguns especialistas veem na abordagem de Trump uma potencial tática de negociação destinada a forçar os parceiros comerciais a reduzirem suas próprias tarifas, em vez de um prelúdio para os Estados Unidos elevarem as suas. Se isso se provar verdadeiro, o processo de cálculo de novas taxas tarifárias pode realmente reduzir os preços.
“Há muitas maneiras de isso dar muito errado para nós”, disse Christine McDaniel, ex-funcionária do Tesouro sob o presidente George W. Bush e agora pesquisadora sênior no Mercatus Center da Universidade George Mason, na Virgínia. “Mas se ele conseguir que outros países abram seus mercados, há um caminho estreito onde isso poderia acabar promovendo o comércio”, disse ela.
Outros ainda alertam que qualquer processo de negociação pode ser guiado menos por objetivos nacionais do que pelos interesses dos aliados de Trump. A Tesla, a empresa de veículos elétricos dirigida pelo lealista do governo, Elon Musk, poderia se beneficiar de isenções para tarifas aumentadas em componentes-chave.
Folha Mercado
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A turbulência está deixando as empresas que operam nos Estados Unidos tendo que adivinhar como os eventos se desenrolarão enquanto ponderam os custos de importar peças ou produtos acabados. Os negócios, como diz o clichê, não desejam nada mais do que certeza. Essa mercadoria está se tornando mais escassa.
Desde o primeiro mandato de Trump, quando ele impôs tarifas sobre importações chinesas —uma política que o ex-presidente Joe Biden estendeu— as empresas que vendem no mercado americano mudaram parte da produção para fora da China.
Os preços crescentes para transortar carga por navio contêiner levaram as empresas a encurtar a distância entre suas fábricas e seus clientes americanos, uma tendência conhecida como nearshoring.
A Walmart, um império varejista regido pela busca de preços baixos, transferiu pedidos de fábricas chinesas para a Índia e o México. A Columbia Sportswear procurou locais de fábricas na América Central. A MedSource Labs, fabricante de dispositivos médicos, transferiu pedidos de fábricas na China para uma nova planta na Colômbia.
Trump desafiou os méritos de tais estratégias ao ameaçar tarifas de 25% sobre importações do México, Canadá e Colômbia, antes de rapidamente adiar ou deixar de lado tais planos. Ele impôs tarifas generalizadas sobre aço e alumínio. Ele aplicou tarifas de 10% sobre importações chinesas. Para onde ele pode se voltar a seguir é o tema de um jogo de salão potencialmente caro que se desenrola nas salas de reuniões corporativas.
Alguns supõem que a incerteza decorrente desses movimentos é precisamente o propósito. Trump há muito afirma que seu objetivo final é forçar as empresas a estabelecerem fábricas nos Estados Unidos —a única maneira confiável de evitar tarifas americanas. Quanto mais países ele ameaça, maiores os riscos para qualquer empresa que invista em uma fábrica em outro lugar.
O problema é que mesmo as empresas com fábricas nos Estados Unidos dependem de peças e matérias-primas de todo o mundo. Mais de um quarto das importações americanas representam peças, componentes e matérias-primas. Tornar esses bens mais caros prejudica a competitividade das empresas domésticas, colocando em risco empregos americanos.
Na semana passada, a Ford Motor alertou que tarifas sobre o México e o Canadá causariam estragos em suas cadeias de suprimentos.
“Uma tarifa de 25% na fronteira do México e do Canadá abrirá um buraco na indústria dos EUA que nunca vimos”, disse o CEO da empresa, Jim Farley.
Por enquanto, o mundo dos negócios está novamente lutando para adivinhar quais das declarações de Trump são meramente uma jogada e quais prenunciam mudanças reais.
Em planilhas mantidas por empresas multinacionais, as taxas tarifárias aplicáveis para cada país do mundo de repente parecem sujeitas a reavaliação. Ou não.
“Levamos Trump a sério, mas não necessariamente ao pé da letra”, disse Murphy, especialista em comércio internacional. “Ele fala em termos gerais, mas temos que observar o que realmente vai ser posto em prática.”