Uma ideia foi aceita como verdade absoluta durante décadas no Japão: uma moeda fraca torna as empresas mais competitivas e fortalece a economia.
Parte dessa promessa se concretizou no ano passado: à medida que o iene caiu para o nível mais baixo em 37 anos em relação ao dólar, grandes marcas como a Toyota Motor relataram os maiores lucros da história japonesa. As ações dispararam para recordes históricos.
No entanto, para a maioria das famílias japonesas, o iene enfraquecido aumentou os custos das despesas básicas de vida, como alimentos e eletricidade. Dados divulgados nesta segunda-feira (17) mostram que, embora a economia do Japão tenha ganhado ritmo na segunda metade de 2024, a taxa de crescimento ajustada pela inflação para o ano inteiro desacelerou para 0,1% —em 2023, o crescimento foi de 1,5%.
Tentar estimular as exportações enfraquecendo uma moeda tem sido há muito tempo uma ferramenta de política para países que buscam crescimento econômico: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que quer um dólar mais fraco para ajudar a indústria dos EUA.
O Japão fornece um exemplo do que pode acontecer quando uma moeda depreciada, mesmo que ajude as exportações, esmaga o poder de compra do consumidor ao piorar a inflação.
“Na economia, nos ensinam que tudo tem um benefício e um custo, e trata-se de perguntar qual é maior”, disse Richard Katz, um economista especializado no Japão. O dólar hoje no Japão é negociado a cerca de 150 ienes —em 2021, esteve em torno dos 110 ienes.
“Isso claramente não é a maneira de conduzir um trem. Seria bom tirar uma lição disso”, disse Katz.
Os dados divulgados nesta segunda mostram que os gastos das famílias encolheram ligeiramente em 2024, após expandirem nos três anos anteriores.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde o forte consumo ajudou a economia a se recuperar após a pandemia de Covid-19, o consumo mais fraco prolongado no Japão deixou o PIB real mal acima dos níveis pré-pandemia.
Com tarifas que Trump prometeu impor amplamente aos parceiros comerciais dos EUA, incluindo o Japão, esperadas para fortalecer ainda mais o dólar em relação ao iene, a crescente insatisfação pública com a inflação está pressionando os legisladores japoneses —que enfrentam eleições para a Câmara alta em julho— a encontrar uma maneira de reverter a queda do iene.
No passado, o Japão acolheu um iene fraco em grande parte porque sua economia era altamente dependente das exportações. Mas, nas últimas duas décadas, as empresas japonesas delegaram mais de sua produção e vendas para subsidiárias fora do país.
No mesmo período, o Japão tornou-se mais dependente de importações, incluindo combustíveis como carvão e gás usados para produzir eletricidade.
Desde que o Japão fechou a maioria de suas usinas nucleares após o desastre de Fukushima em 2011, as importações representaram cerca de 90% de seu fornecimento total de energia. Também gasta mais em produtos agrícolas importados do que produz internamente.
Uma moeda mais fraca pode ajudar a estimular uma economia se as empresas usarem o dinheiro que ganham com as exportações para aumentar a contratação e os salários, e investir em sua capacidade doméstica, disse Katz.
“No Japão, não estamos vendo nada disso se espalhar”, disse ele. “Pelo contrário, os consumidores estão apenas sendo pressionados pelos custos mais altos de importação.”
A inflação significou que pessoas como Masumi Inoue, uma mãe solteira que trabalha em uma corretora de valores em Tóquio, têm que pagar mais pelo básico. Ela se sente sobrecarregada pelo custo de tudo, desde pão e vegetais até o arroz que usa para os almoços escolares de sua filha de 5 anos.
Inoue começou a tentar economizar. Recentemente, parou de sair para almoçar e começou a enviar sua filha para a Lion Heart, uma organização sem fins lucrativos na região leste de Tóquio que oferece jantares e tutoria gratuitos após a escola.
“Receber refeições algumas vezes por semana ajuda”, disse Inoue. Os custos crescentes “têm sido muito difíceis para as finanças da nossa família.”
Muitos outros no Japão parecem compartilhar os sentimentos de Inoue. Em uma pesquisa de dezembro, 60% das famílias disseram que sua situação econômica estava pior do que um ano antes, em comparação com apenas 4% que disseram que as condições haviam melhorado. Os níveis de confiança do consumidor estão muito abaixo de onde estavam antes da pandemia.
A crescente insatisfação pública com a inflação está pressionando os funcionários japoneses a encontrar uma maneira de reverter a queda do iene.
No ano passado, o Japão gastou dezenas de bilhões de dólares intervindo no mercado de câmbio para sustentar o iene. Mas a moeda ainda está fraca e os gastos ainda são fracos, provocando um novo debate sobre quais ações o banco central do país deve tomar.
A queda do iene nos últimos três anos foi impulsionada em grande parte pela política de longa data do Banco do Japão de manter as taxas de juros em ou abaixo de zero.
Seu objetivo era incentivar a inflação após décadas de preços estagnados, mas as baixas taxas do Japão também levaram os investidores a buscar retornos mais altos em outros lugares, enfraquecendo o iene.
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No ano passado, o banco central japonês quis aumentar as taxas, e consequentemente fez o iene se fortalecer. Os consumidores poderiam absorver o impacto da inflação impulsionada por um iene fraco porque as empresas —ganhando mais com a taxa de câmbio— estavam oferecendo salários mais altos, raciocinou o banco central.
No entanto, com os ganhos salariais não conseguindo acompanhar a inflação durante grande parte dos últimos três anos, alguns economistas argumentam que o Banco do Japão deveria evitar se dedicar principalmente em superar a deflação.
Em vez disso, dizem eles, deveria focar diretamente em incentivar o consumo doméstico —aumentando as taxas de juros mais agressivamente, fortalecendo o iene e reduzindo os preços de importação.
Em julho, o Banco do Japão surpreendeu os mercados com um aumento inesperado das taxas que fez o iene se valorizar rapidamente. O movimento causou uma venda maciça nas ações de empresas que estavam se beneficiando do iene enfraquecido.
Após enfrentar fortes críticas, o Banco do Japão tem procedido com cautela desde então. No mês passado, anunciou amplamente seus planos antes de aumentar as taxas novamente.
Sayuri Shirai, professora de economia na Universidade Keio, disse que a reação ao movimento de taxas do banco em julho enviou a mensagem errada em um momento crucial.
“O banco central foi realmente muito bem-sucedido em termos de apreciação do iene”, disse. “Qual é realmente a prioridade, os preços das ações ou parar a depreciação do iene? Acho que nesse caso é óbvio.”