Especialistas em comércio e direito dizem que o presidente Donald Trump provavelmente vai tirar o pó de uma lei comercial de 1930, esquecida há décadas, para respaldar as novas tarifas recíprocas dos Estados Unidos, que se equipararão aos impostos de importação mais altos de outros países.
Trump disse que as novas tarifas dos EUA entrariam em vigor “quase imediatamente”, e a Seção 338 da Lei de Comércio de 1930 proporcionaria um caminho rápido para impô-las.
A lei —usada como ameaça, mas nunca aplicada para impor tarifas— aparece apenas esporadicamente em registros do governo. Ela permite que o presidente imponha taxas de até 50% contra importações de países que discriminam o comércio dos EUA.
Essa autoridade pode ser acionada quando o presidente descobre que um país impôs uma “taxa, exigência, regulamentação ou limitação injustificada” que não é aplicada igualmente a todos os países.
A medida também pode ser desencadeada por discriminação em taxas alfandegárias ou outras taxas, regulamentações ou restrições que “prejudiquem” o comércio dos EUA.
Trump, que há muito reclama que os EUA cobram taxas mais baixas do que a maioria dos outros países. A tarifa de 10% para automóveis da União Europeia, quatro vezes a taxa de 2,5% para carros de passeio dos EUA, é um ponto particularmente sensível para o presidente.
“Acredito que é exatamente esse o caminho que eles vão seguir”, disse Dan Cannistra, sócio do escritório de advocacia Crowell & Moring, sobre a Seção 338. “Eles vão dizer à UE: ‘Vocês estão dando zero por cento em carros para a Coreia, mas estão dando 10% para os EUA. Vocês estão nos discriminando’.”
AÇÃO RÁPIDA
As ferramentas comerciais que Trump usou em seu primeiro mandato levariam mais tempo para impor tarifas, incluindo o estatuto de segurança nacional da Seção 232 para aço e alumínio e a lei de práticas comerciais desleais da Seção 301 para importações chinesas. Esses processos requerem investigações e comentários públicos, o que pode levar meses.
Até agora, Trump tem priorizado em seu novo mandato ferramentas que permitam ação imediata sobre tarifas. Isso incluiu o primeiro uso da IEEPA (sigla em inglês para Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional) para impor tarifas —10% sobre produtos chineses e 25% sobre produtos mexicanos e canadenses, neste último caso com início adiado para março e exigências relacionadas ao tráfico de fentanil e à segurança de fronteiras.
Na segunda-feira (10), Trump simplesmente modificou sua proclamação anterior da Seção 232 sobre metais para aumentar rapidamente as tarifas de alumínio para 25% —equiparando-se às tarifas de aço— e cancelar todas as isenções de impostos sobre aço e alumínio a partir de 12 de março.
A Seção 338 está na mesma categoria de soluções de ação rápida, permitindo que o presidente aja unilateralmente e imponha tarifas em 30 dias, disse Nazak Nikakhtar, ex-funcionário de alto escalão do Departamento de Comércio durante o primeiro mandato de Trump.
Nikakhtar, agora sócio do escritório de advocacia Wiley Rein, disse que a equipe comercial do primeiro mandato de Trump pesquisou cenários para usar a Seção 338, mas optou por ferramentas mais familiares.
“A conclusão foi que era uma lei válida. O Congresso poderia ter revogado, mas não o fez”, disse Nikakhtar. “Seu benefício é que é mais imediato.”
Um porta-voz da Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário da Reuters sobre o possível uso da Seção 338.
EMPOBRECER O VIZINHO
A Lei de Comércio de 1930, que inclui a Seção 338, é mais conhecida pelos aumentos significativos de tarifas dos EUA e pelas retaliações subsequentes que, segundo historiadores econômicos, pioraram a Grande Depressão da década de 1930.
Após a Segunda Guerra Mundial, os países buscaram padronizar as tarifas globais para evitar o retorno das políticas econômicas de “empobrecer o vizinho” do pré-guerra, marcadas por restrições comerciais competitivas e desvalorizações cambiais.
As tarifas de Nação Mais Favorecida (NMF) resultantes, acordadas mutuamente, formaram a base do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) de 1947 e seu sucessor de 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC).
John Veroneau, cuja pesquisa de 2016 ajudou a renovar o interesse na Seção 338, disse que uma ação unilateral de Trump para impor tais tarifas efetivamente explodiria o sistema NMF.
“Seria um terremoto em Genebra anunciar as intenções dos EUA de se afastar da NMF incondicional e negociar nossas tarifas em uma base bilateral”, disse Veroneau, ex-representante comercial adjunto dos EUA durante o governo George W. Bush e sócio do escritório de advocacia Covington & Burling.
Ele disse que o governo Franklin Roosevelt ameaçou impor tarifas da Seção 338 na década de 1930 contra França, Alemanha, Espanha e Japão, mas nunca o fez.
Folha Mercado
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À medida que as forças comunistas consolidavam o controle da China em 1949, um telegrama do então Secretário de Estado Dean Acheson menciona a Seção 338 como um remédio potencial contra a “política comercial comunista” chinesa discriminando o comércio dos EUA. Acheson observa que o presidente poderia excluir completamente as importações chinesas.
O telegrama é a última referência oficial conhecida do governo dos EUA à lei, disse Veroneau.
TAXAS DIFERENTES
Não está claro se a ação de Trump será ampla ou direcionada a alguns setores ou países. Mas o cerne da ação tarifária do presidente será voltado para alinhar as tarifas dos EUA com as taxas frequentemente mais altas de outros países.
O assessor econômico da Casa Branca, Kevin Hassett, disse na segunda que as altas tarifas da Índia bloqueiam as importações.
A taxa tarifária média ponderada pelo comércio dos EUA é de cerca de 2,2%, de acordo com dados da OMC, em comparação com 12% para a Índia, 6,7% para o Brasil, 5,1% para o Vietnã e 2,7% para os países da UE.
Embora as tarifas tenham sido acordadas pelas administrações dos EUA ao longo do tempo, Cannistra disse acreditar que o uso da Seção 338 por Trump resistiria a um desafio legal, porque a evolução do sistema tarifário está “cheia de inconsistências” que foram negociadas pelos países para proteger seus interesses econômicos.
“Não há nenhuma descoberta além da existência de discriminação, e você provavelmente poderia descobri-la em 30 segundos analisando as tabelas tarifárias concorrentes”, disse Cannistra.
Além das tarifas diferenciadas, Nikakhtar afirmou que Trump também poderia definir como discriminatórias as regulações de países que trabalham para excluir produtos dos EUA. Este é o caso de restrições à importação de culturas geneticamente modificadas, padrões de segurança ou emissões de veículos na UE e no Japão.